Enquanto boa parte da população do interior do Amazonas enfrenta dificuldades históricas com saneamento básico, saúde precária e desemprego estrutural, pelo menos 12 prefeitos desses municípios declararam ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2024, patrimônios que ultrapassam a casa do milhão de reais.
A informação, por si só, já chama atenção. Mas o que realmente acende o sinal de alerta são os saltos patrimoniais registrados durante a vida política desses gestores e os contratos milionários firmados com dinheiro público.
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Entre os mais ricos está Augusto Ferraz, prefeito de Iranduba pelo Republicanos, que viu seu patrimônio saltar de modestos R$ 183 mil em 2012 para impressionantes R$ 8,3 milhões em 2024. Entre imóveis, veículos de luxo e aplicações financeiras, Ferraz também aparece como figura central em uma série de contratos públicos que somam milhões de reais, muitos deles com empresas de histórico duvidoso.

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Entre os contratos mais questionáveis da atual gestão estão:
- R$ 1,6 milhão para “eliminar ratos e baratas”, pagos à Consffer Construtora e Recursos Humanos LTDA;
- R$ 3 milhões para uma empresa paulista recém-criada, a RF Serviços de Engenharia, contratada para construir um Centro de Parto;
- Quase R$ 5 milhões em alimentos, incluindo itens como achocolatado e pepino, fornecidos por empresas locais;
- R$ 1,5 milhão para uma empresa investigada por fraude, a Amazônia Tecnologia em Educação e Meio Ambiente LTDA.
Ferraz não está sozinho no rol dos que acumularam fortunas enquanto administram cidades com sérios problemas estruturais. O prefeito de Fonte Boa, Dr. Lázaro (Republicanos), viu seu patrimônio crescer de R$ 4,9 milhões para R$ 7,7 milhões em apenas quatro anos. O prefeito Pedro Guedes (PSD), de Careiro da Várzea, que não declarou nenhum bem quando eleito em 2004, hoje ostenta mais de R$ 1 milhão em patrimônio — e também contratos públicos que ultrapassam R$ 10 milhões, como no caso da compra de combustíveis.

O prefeito de Urucará (AM), Bosco Falabella, eleito em 2024 pelo partido União Brasil (UNIÃO), também figura entre os prefeitos com patrimônios consideráveis. Falabella declarou um total de R$ 6.256.700,88 em bens. Entre suas propriedades e investimentos, destacam-se:
- Imóveis:
- Apartamento no Rio de Janeiro/RJ (R$ 700.913,92);
- Casa de madeira em Manaus/AM (R$ 540.000,00);
- Casa de alvenaria em Manaus/AM (R$ 218.224,46);
- Apartamento em Mangaratiba/RJ (R$ 170.223,11);
- Apartamento no Leblon, Rio de Janeiro/RJ (R$ 900.000,00);
- Apartamento em Ipanema, Rio de Janeiro/RJ (R$ 518.160,42);
- Apartamento no Leblon, Rio de Janeiro/RJ (R$ 812.600,00).
- Investimentos:
- Ações da Petrobras, Vale, Banco do Brasil, e outros fundos de investimentos e debêntures (totalizando milhões de reais em aplicações);
- Empréstimos concedidos a terceiros, incluindo valores de R$ 22.000,00 e R$ 425.000,00.
Com um portfólio de bens diversificados e investimentos de alto valor, Bosco Falabella tem se destacado não apenas pela gestão de Urucará, mas também pelo considerável patrimônio declarado.

Casos como o de Nazaré Rocha (MDB), prefeita de Amaturá, também chamam atenção. Em 2020, ela possuía um patrimônio de R$ 282 mil. Hoje, o valor declarado é de R$ 1,2 milhão — um aumento de 325% em apenas quatro anos.

Problema mais profundo
Além da concentração de riqueza, os dados revelam um problema mais profundo: a falta de mecanismos eficazes de fiscalização patrimonial e o frágil controle sobre o uso dos recursos públicos. A legislação eleitoral obriga a declaração de bens, mas não investiga automaticamente a origem nem a evolução desses patrimônios. Ou seja, o papel de cobrar transparência acaba recaindo quase exclusivamente sobre a imprensa e a sociedade civil.
Em municípios onde a população vive majoritariamente abaixo da linha da pobreza, a existência de prefeitos milionários parece uma afronta. É o retrato de uma política que, ao invés de servir ao público, muitas vezes serve ao próprio bolso.
A concentração de riqueza no poder público municipal, especialmente em áreas remotas e vulneráveis, não apenas compromete a credibilidade da gestão, como também perpetua o ciclo de desigualdade social e econômica.
O alerta está dado. E a pergunta que ecoa é inevitável: quem enriquece com a pobreza do interior do Amazonas?
Confira o ranking dos milionários:
Augusto Ferraz (Iranduba/Republicanos) – R$ 8.373.883,65
Dr. Lázaro (Fonte Boa/Republicanos) – R$ 7.777.657,21
Bosco Falabella (Urucará/União) – R$ 6.256.700,88
Cecéu (Santo Antônio do Içá/MDB) – R$ 2.425.593,11
Mateus Assayag (Parintins/PSD) – R$ 1.493.208,93
Nazaré Rocha (Amaturá/MDB) – R$ 1.200.000,00
Gibe Martins (São Paulo de Olivença/União) – R$ 1.200.000,00
Darlan Taveira (Barreirinha/União) – R$ 1.196.000,00
Pedro Guedes (Careiro da Várzea/PSD) – R$ 1.057.428,48
Sales (Tonantins/Republicanos) – R$ 1.130.000,00
Tonho (Codajás/União) – R$ 1.100.000,00
Dedei Lobo (Humaitá/União) – R$ 1.004.794,16
NOTA
O Núcleo de Reportagem Investigativo do Portal Alex Braga procurou a prefeitura dos 12 municípios do Amazonas que aparecem nesta lista dos milionários, mas até a publicação desta reportagem não obtivemos respostas. O espaço segue aberto para esclarecimentos.












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