Quinta-feira, 10 Julho

Quase dois meses esperando por uma cirurgia no corredor do Hospital e Pronto-Socorro Platão Araújo, o barbeiro Gabriel Matias, de 20 anos, perdeu mais que a mobilidade da perna, ele também desenvolveu um quadro de ansiedade grave. O paciente procurou com exclusividade o Portal Alex Costa, para relatar os problemas conhecidos por muitos usuários do sistema de Saúde pública do Amazonas que, assim como o barbeiro, precisam enfrentar, além dos problemas de saúde, um sistema precário e falido.

O HPS Platão Araújo, onde Gabriel esperou por longos dias, é administrado pelo Instituto Nacional de Desenvolvimento Social e Humano (INDSH), após vencer recentemente uma licitação promovida pelo governo do Amazonas, na gestão de Wilson Lima, em um contrato que chega a quase R$ 1 bilhão. A atuação do INDSH no Amazonas, inclusive, já foi alvo de ações do Ministério Público Federal (MPF), em 2021, nas quais foram apontadas falhas na gestão e execução contratual.

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Gabriel sofreu um acidente de trânsito em Manaus há quase dois meses e relatou que teve fratura exposta de tíbia, além de cortes profundos em partes moles do pé, calcanhar e canela. “Também tive umas fraturas nas costelas, que comentei com o ortopedista, dizendo que sentia dor intensa nessa região, mas nunca fizeram nenhum tipo de exame, somente na minha perna mesmo”, contou.

Mas o pior ainda estava por vir. Ao saber que precisaria de uma cirurgia imediata, o barbeiro manauara foi colocado em um corredor no hospital, onde esperou por quase dois meses.

“O que não foi bom aqui foi minha internação, os dias que fiquei no corredor, literalmente ao lado do banheiro dos pacientes, todo dia vendo pessoas sendo levadas num saco preto. E, para piorar, estava perto de onde faziam os exames. Vi todo tipo de fratura e menor de idade acidentado. Minha mãe, que me acompanhou, também viu toda essa situação”, relatou Gabriel.

Com a angústia da incerteza da cirurgia, somada aos casos extremos que presenciava todos os dias naquele corredor, ele desenvolveu um quadro de ansiedade grave, que também precisará ser tratado a partir de agora. “Infelizmente, desenvolvi uma ansiedade grave. Tinha dias que ficava com falta de ar, quase tendo um desmaio, insônia também. E peguei uma infecção hospitalar no período em que fiquei internado aqui, o que, consequentemente, agravou ainda mais a minha situação”, destacou.

Sucessão de filas

Após dois meses de espera, Gabriel finalmente conseguiu fazer a cirurgia ortopédica nesta terça-feira (1º) e já recebeu alta. Mas o tratamento continua e, para sua recuperação plena, ele precisará fazer sessões de fisioterapia, dependendo novamente do Sistema Único de Saúde (SUS). Para evitar a sucessão de filas, Gabriel estuda a possibilidade de pagar as sessões no particular.

“Me mandaram pelo Sisreg. Sabe lá Deus quando vou fazer. Acho que vou optar por fazer pago mesmo, porque, na última vez que sofri um acidente, foi assim também, mandaram para o Sisreg, para esperar marcar minha consulta pelo site, e até hoje não marcaram”, lembra.

Porém, a longa espera pela cirurgia ortopédica não abalou apenas o físico e o psicológico dele, também mexeu com sua situação financeira. Barbeiro profissional há três anos e trabalhando por demanda, Gabriel precisou ficar parado por todo esse tempo e afirma que não vê a hora de voltar a trabalhar e ganhar seu sustento.

“Estou afastado da barbearia. Como sou barbeiro, não tenho carteira assinada, só ganho o que eu faço. O dono da barbearia me ajudou bastante no começo, fez até mais que sua obrigação. Agora é eu por mim mesmo. Mas, no momento em que eu me recuperar, volto a trabalhar lá ou em outra barbearia”, disse.

Procurada pela reportagem do Portal Alex Costa, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) foi questionada sobre o que teria motivado tanta demora na realização da cirurgia de Gabriel. A reportagem também questionou qual o tempo médio de espera de um paciente que necessita de cirurgia ortopédica imediata no estado, e se o hospital não possui leitos suficientes para comportar a demanda, obrigando os pacientes a usarem os corredores. No entanto, até a publicação desta matéria, a SES não respondeu à solicitação de nota.