Quinta-feira, 24 Abril

Uma obra totalmente necessária para melhorar a infraestrutura e a segurança de uma das principais vias de acesso do Amazonas, a Recuperação e Modernização da AM-010, vem sendo alvo de sérias denúncias de irregularidades e suposto superfaturamento na execução do Contrato de Repasse nº 894055/2019. A rodovia liga Manaus às cidades de Rio Preto da Eva e Itacoatiara. São três anos de idas e vindas, denúncia e uma auditoria que aponta para irregularidades.

Inicialmente orçada em R$ 366.051.861,42, a obra teve um salto no valor, ultrapassando os R$ 515 milhões, alcançado a cifra de R$ 515.701.566,59. Esse aumento expressivo no orçamento levanta questões sobre a gestão dos recursos públicos e a transparência no andamento dos trabalhos da obra licitada pelo governador Wilson Lima.

OBRA DA AM-010 ADITIVADA


A obra na AM-010 que tinha previsão para ser entregue em 30 de dezembro de 2022, se arrasta há mais de três anos, com sérios desvios do projeto inicial e escândalos de superfaturamento de R$ 24,5 milhões, além de falhas na fiscalização e execução de serviços desnecessários, segundo apontou auditoria realizada pela Controladoria Geral da União (CGU).


O aporte financeiro inicial da obra foi proveniente de recursos do governo federal, que chegou a enviar R$ 72,4 milhões ao estado. O Governo do Amazonas, porém, devolveu o dinheiro em abril de 2024, após a CGU levantar as irregularidades.


Só ladeira abaixo


O processo licitatório, iniciado em 2021, foi marcado por alertas de diversas empresas licitantes sobre as deficiências do Projeto Básico, que parecia ter sido elaborado sem estudos preliminares adequados. No entanto, a Secretaria de Estado de Infraestrutura (Seinfra) ignorou essas advertências e seguiu com a licitação, resultando na contratação do Consórcio AM, que venceu o certame e assinou o contrato CT-027/2021 – SEINFRA em 01/07/2021, no valor de R$ 366.051.861,42.

Contudo, apenas 11 meses depois, o consórcio pediu o distrato do contrato, alegando a impossibilidade de realizar a obra conforme o projetado.

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Mas ao invés de elaborar um novo projeto, a Seinfra recorreu à empresa ETAM, segunda colocada no processo licitatório, para dar continuidade aos serviços remanescentes, formalizando o contrato CT-057/2022 – SEINFRA, em 15/06/2022, no valor de R$ 343.911.148,95. A partir daí, foi só ladeira abaixo.

Apesar dos atrasos, o governador Wilson Lima foi várias vezes no local da obra, tentando dar um aparente clima de normalidade.

Segundo a CGU, a Seinfra realizou diversos aditivos ao contrato, muitos deles irregulares, com acréscimos e decréscimos de serviços muito além dos limites legais e com sobrepreço em insumos e composições de serviços. Como resultado, o valor da obra saltou para R$ 515.701.566,59, com medições e reajustes superfaturados.

Em 9 de novembro de 2023, a Seinfra solicitou o distrato do Contrato de Repasse nº 894055/2019 firmado com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional – MIDR, devolvendo integralmente à União os recursos até então recebidos. Isso gerou um desperdício aos cofres do Estado, por incompetência e má gestão dos recursos públicos.

Auditoria aponta irregularidades


Uma auditoria realizada pela Controladoria Geral da União (CGU) apontou uma série de irregularidades que comprometem tanto o andamento quanto os custos da obra.
A análise do órgão relevou que a obra apresenta inconsistências técnicas, como o dimensionamento inadequado da estrutura do pavimento.

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Também foram identificadas camadas de revestimento com espessura inferior a especificada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e uma base de pavimento com espessura superior à necessária. Além disso, no Contrato nº 057/2022, os termos aditivos superam os limites legais estabelecidos pela Lei 8.666/1993, resultando em alterações contratuais que beneficiam os contratados, comprometendo o desconto originalmente acordado e gerando um sobrepreço de R$ 16.142.979,97.

SERVIÇOS DESNECESSÁRIOS

A CGU verificou ainda outro ponto crítico na obra, que foi a inclusão de serviços desnecessários, como a raspagem e limpeza de acostamento, que já estavam contemplados no contrato inicial. Essa inclusão representou um sobrepreço adicional de R$ 8.173.056. Além disso, a fiscalização da obra não se mostrou eficaz, falhando na aplicação de controles tecnológicos adequados para a medição dos serviços executados, o que resultou em superfaturamento de R$ 278.858,60.


A Caixa Econômica Federal responsável pelo acompanhamento do contrato de repasse, também foi criticada pela falta de uma análise adequada das reprogramações contratuais e pela documentação incompleta do Transferegov.br, comprometendo a transparência e o acompanhamento adequando da execução das obras.

A qualidade da obra também foi questionada durante a vistoria in loco, com a constatação de diversas patologias no sistema de drenagem e na pista de rolamento, além da ausência de dispositivos de drenagem previstos no projeto original. Essas falas indicam que medidas corretivas são urgentes para evitar maiores danos à rodovia.

Impactos vão além dos números


Os impactos de tamanha má gestão vão além dos números. A obra de Recuperação e Modernização da AM-010 é de vital importância para as comunidades lindeiras, rurais e urbanas que dependem dessa rodovia para a sua mobilidade e qualidade de vida.

O Tribunal de Contas da União (TCU) não chegou a auditar o contrato e nem a obra, mas devido a denúncias, expediu comunicado à Seinfra através do Acordão nº 31/2022 – TCU-PLENÁRIO, onde recomenda a correção das irregularidades do Projeto Básico.

Já a auditoria rigorosa realizada pela CGU apontou sobrepreço de R$ 24.316.026,97 e superfaturamento de R$ 278. 858,60 em apenas uma medição auditada, identificou que as alterações contratuais prejudicaram o patrimônio público, com indícios de fraudes que impactaram diretamente no orçamento estadual.

O Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE/AM) tem realizado um acompanhamento concomitante da obra, com a designação de uma equipe técnica. Porém, até o momento, não houve ações imediatas para corrigir os sobrepreços identificados, e os valores pagos de forma indevida ainda não foram restituídos.

Foto: Divulgação

A falta de transparência, o sigilo das deliberações do TCE e a ausência de ações concretas para reparar os danos financeiros tornam esse processo ainda mais controverso.

Etam e Wilson Lima


Muito além da AM-010, a gestão Wilson Lima tem histórico de “parceiras’ com a Etam. A Secretaria de Infraestrutura (Seinfra) fechou um contrato de mais de R$ 218 milhões com a Construtora empresa pertencente à família do governador do Acre, Gladson Cameli (Progressistas).

O contrato nº 069/2022 foi firmado em agosto de 2022, pelo secretário da Seinfra, Carlos Henrique Lima, com valor global de R$ 218.948.295,91. O objeto de contrato foi para a recuperação da rodovia AM-352.

Apesar do contrato estabelecer um prazo de 18 meses para a conclusão da obra, o projeto já acumula atrasos consideráveis e sofreu dos aditivos de prazo, adiando a conclusão da obra para 2026. O primeiro aditivo, realizado em janeiro de 2024, estendeu o prazo até outubro do mesmo ano. No dia 22 de janeiro deste ano, um novo aditivo estendeu o prazo por mais 390 dias.

A Construtora Etam tem outros contratos com o Governo do Amazonas, porém, este contrato específico não consta no Portal da Transparência, levantando dúvidas sobre a ausência de informações públicas e reforçando questionamentos sobre a lisura do processo.


Construtora com polêmicas e escândalos


A Construtora Etam pertence ao pai de Gladson Cameli, governador do Acre, que se encontra no centro de diversas investigações e escândalos. Em novembro de 2023 ele foi investigado pela Polícia Federal (PF) e tornou-se réu no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por corrupção. Cameli e outros 12 acusados, incluindo membros de sua família, enfrentam acusações de organização criminosa, corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro e fraude em licitações.

Essas acusações têm relação com a Operação Ptolomeu, que revelou fraudes envolvendo a contratação da empresa Murano Construções Ltda. As irregularidades, que ocorreram a partir de 2019, causaram um prejuízo estimado de mais de R$ 16 milhões aos cofres públicos.

Além dos processos envolvendo corrupção, o nome de Gladson Cameli também esteve envolvido em um polêmico escândalo sexual em 2024. Ele foi acusado de crimes como estupro e abuso por Marcelo Bimbi, embora Cameli tenha negado as acusações. O caso gerou grande repercussão e ainda está sendo analisado pela Justiça.

A associação da Construtora Etam com a família Cameli e os escândalos subsequentes geram uma atmosfera de desconfiança em relação à execução de obras públicas no Amazonas, especialmente quando se considera a falta de transparência e as graves acusações que envolvem os responsáveis pela empresa.

Posicionamento Seinfra e CGU

Por meio de nota, a CGU informou que fiscalizou as obras de Recuperação e Modernização da AM-010 e emitiu o relatório https://eaud.cgu.gov.br/relatorio/1490382

No entanto, após a vistoria e antes da conclusão dos trabalhos de auditoria, o Governo do Estado do Amazonas decidiu por rescindir o Contrato de Repasse nº 894055, com a devolução integral dos recursos federais, R$ 84 milhões. Sendo assim, a CGU não detêm mais competência para acompanhar as obras de Pavimentação da Rodovia AM-10 tendo em vista que não existem mais recursos federais destinados ao empreendimento.

A situação do Contrato de Repasse nº 894055 no link:

https://discricionarias.transferegov.sistema.gov.br/voluntarias/ConsultarProposta/ResultadoDaConsultaDeConvenioSelecionarConvenio.do?idConvenio=807020&destino=

A equipe de jornalista do Portal Alex Braga, tentou contato com a Seinfra pedindo esclarecimentos sobre as irregularidades e possíveis super faturamento na AM-010.

No entanto, até o fechamento desta matéria não obtivemos respostas. O espaço segue aberto para mais esclarecimentos.