A Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM), sob a gestão do governo Wilson Lima (União Brasil), publicou a contratação de três empresas para realizar os mesmos serviços oftalmológicos, incluindo cirurgias de catarata. Os procedimentos serão realizados no antigo Complexo Hospitalar da Zona Norte e em outras unidades de saúde do Estado.
De acordo com o Portal da Transparência, os contratos têm como objetivo executar de forma direta procedimentos cirúrgicos na especialidade de facoemulsificação com implante de lente ocular dobrável técnica moderna utilizada na remoção da catarata, em que um equipamento de ultrassom fragmenta o cristalino opaco, que depois é aspirado.
Confira os contratos:




As empresas contratadas para as cirurgias
Conforme as publicações oficiais, as empresas selecionadas foram:
–Santos e Cardoso Serviços Médicos Ltda, que tem como sócios Shirley Mara Queiroz Looney, João Cândido dos Santos Neto e Kesia Fernanda Possimoser Santos, contratada por R$ 1.067.894,00;
–Clínica de Ultrassom de Olhos Ltda, de Jéssica Sabba Tayah e Youssef Sabba Tayah, também contratada pelo mesmo valor;
–Oftalcenter – Centro Oftalmológico Ltda, de Yuri Simon Salim Jorge Assel e Célia Regina Salim Jorge, com contrato de R$ 1.069.437,60.
Somados, os três contratos totalizam R$ 3.205.225,60.
Segundo o governo, a justificativa é atender o Programa Estadual de Redução de Filas de Cirurgias Eletivas, com a promessa de ampliar o acesso e oferecer “qualidade de vida” aos usuários do SUS.
Mas o investimento milionário desperta questionamentos especialmente após alertas da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre graves falhas na aplicação de recursos públicos destinados a serviços oftalmológicos nos últimos anos.

CGU apontou indícios de fraudes e duplicidade em cirurgias
Um relatório da CGU, publicado no fim de 2024, revelou irregularidades graves em contratos semelhantes firmados pela SES-AM entre 2019 e 2022.
O documento aponta riscos de superfaturamento, falhas nos controles administrativos e até cobrança por cirurgias não realizadas, incluindo cirurgias de catarata, transplantes de córnea e tratamentos de glaucoma.

Controles frágeis e risco de fraude
A CGU destacou que o sistema utilizado para autorizar os procedimentos o SISREG permitia que clínicas confirmassem atendimentos sem a presença do paciente, abrindo brechas para faturamentos indevidos.
Além disso, a Secretaria não exigia comprovantes de execução dos serviços, como assinatura dos pacientes ou cruzamento automático de dados, o que dificultava a identificação de fraudes.

Cirurgias duplicadas e valores acima da tabela do SUS
Entre as irregularidades mais graves, a CGU identificou casos de pacientes com até quatro registros de cirurgia de catarata no mesmo olho, algo clinicamente impossível.
O valor do procedimento, tabelado pelo SUS em R$ 771,60, teria sido cobrado mais de uma vez por algumas das clínicas contratadas.
Em um dos casos, uma clínica particular chegou a faturar uma cirurgia já realizada em um hospital público, o Delphina Aziz — situação confirmada por familiares da paciente.


Falta de transparência em transplantes de córnea
O relatório também apontou desinformação entre pacientes sobre o processo de transplante e a origem das córneas utilizadas.
Muitos relataram dúvidas sobre a fila de espera e acreditavam que o tipo de pagamento (SUS ou particular) influenciava na qualidade do tecido, informação que não procede.
Além disso, a CGU encontrou divergências nos dados do Banco de Olhos do Amazonas (BOA) sobre a quantidade de córneas transplantadas, indicando falhas nos registros e no controle das informações públicas.
Questionamentos permanecem
Diante desse histórico de falhas, suspeitas e falta de transparência, a nova rodada de contratações milionárias pela SES-AM levanta dúvidas:
O Estado aprimorou seus mecanismos de controle? Há garantias de que os serviços serão devidamente executados e auditados?
E, sobretudo, quem fiscaliza o uso desses recursos públicos em um setor que, segundo a própria CGU, ainda apresenta riscos de fraudes e duplicidades?
Nota
A reportagem solicitou nota ao Governo do Amazonas e à Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM) sobre os contratos e os apontamentos da CGU, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

Confira o relatório completo da CGU: