Na segunda parte da série especial do Portal Alex Braga sobre a Agência Amazonense de Desenvolvimento Econômico e Social (AADESAM), o foco se volta à escalada dos repasses públicos e à persistente falta de transparência sobre como esses valores são efetivamente utilizados.
Após evidenciar os repasses de R$ 1,5 bilhão na gestão Wilson Lima, nossa reportagem vai te mostrar como a ausência de dados claros sobre os impactos reais das ações apoiadas pela Agência configuram afronta ao que mande a Lei.
Desde o início do governo Wilson Lima, em 2019, a AADESAM tem se tornado peça-chave na gestão de contratos e projetos financiados com dinheiro público.
Com base em informações do Portal da Transparência da Secretaria de Estado da Fazenda do Amazonas (SEFAZ-AM), a reportagem mostra como os repasses cresceram exponencialmente ao longo dos anos, enquanto a transparência sobre os resultados práticos continua superficial, genérica ou, muitas vezes, inexistente.
Mesmo projetos com nomes sugestivos como “Mais Vida”, “Busca Ativa Escolar” e “Segurança Alimentar” carecem de informações básicas: quem foi beneficiado, o que foi entregue e quais metas foram cumpridas?
LEIA MAIS: Wilson Lima pagou R$ 741 milhões para AADESAM, mas não houve prestação de contas
Nesta nova etapa da apuração, o que se revela é um padrão preocupante de falta de transparência na aplicação de recursos públicos, com justificativas ancoradas em termos burocráticos e pouca prestação de contas à sociedade. Enquanto os valores seguem aumentando, a população permanece sem respostas concretas.
Milhões sem clareza desde o início do mandato de Wilson Lima
A série de repasses começa em 2019, primeiro ano da gestão Wilson Lima, com um total de R$34,6 milhões destinados à AADESAM. A maior fatia desse valor — R$12 milhões — foi transferida ao Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas (IDAM), classificado apenas como “diversas contribuições”, relacionadas a termos aditivos de contratos antigos, com origens que remontam a 2015. A descrição é genérica e não permite saber, por exemplo, que ações práticas foram implementadas ou os resultados obtidos.


No ano seguinte, em 2020, os repasses mais que dobraram, saltando para R$75,3 milhões. O maior repasse foi para a Secretaria de Estado de Produção Rural (SEPROR), com R$15,3 milhões também envoltos em justificativas que se limitam a números de notas de liquidação, termos aditivos e ofícios — sem nenhum detalhamento do uso final do dinheiro.


Valores aumentam, transparência não
Em 2021, a AADES recebeu R$136,8 milhões, com destaque para um repasse de R$22,6 milhões para a Secretaria de Estado de Produção Rural (SEPROR) , também envoltos em justificativas que se limitam a números de notas de liquidação, termos aditivos e ofícios.


2022, o ano campeão em repasses
Já em 2022, o valor disparou para impressionantes R$434,6 milhões — o maior volume da série histórica. A Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (SEJUSC) recebeu R$80,8 milhões, em repasses justificados por projetos como “Mais Inclusão” e “Vida e Saúde do Idoso Ativo”. Apesar dos nomes sugestivos, também aqui não há prestação pública dos resultados concretos alcançados.


Repasses caem em 2023, mas opacidade continua
No ano seguinte, em 2023, os repasses caíram para R$ 33,1 milhões, e a maior parte foi direcionada ao Secretaria de Assistência Social (SEAS), com R$75,5 milhões. Os pagamentos, vinculados a projetos como o ampliação de restaurantes populares na Capital e Região Metropolitana, projeto Mais Vida e outros aditivos de contratos que carecem de relatórios públicos acessíveis que demonstrem a efetividade dessas ações.


2024 e 2025: novo crescimento e foco em assistência social
Em 2024, os valores voltaram a subir, totalizando R$348,8 milhões, com a Secretaria de Estado da Assistência Social (SEAS) recebendo o maior montante: R$64,2 milhões. A mesma secretaria já lidera os repasses também em 2025, com R$71,7 milhões dos R$223 milhões já transferidos pela AADESAM até o momento.
Mais uma vez, as justificativas se limitam a descrições técnicas relacionadas a contratos de gestão, como os projetos “Mais Vida”, “Segurança Alimentar” e “Restaurantes Populares” — todos citados de forma genérica, sem que os sites da AADESAM ou das secretarias envolvidas ofereçam informações acessíveis à população sobre os beneficiários, metas, indicadores ou auditorias realizadas.




Advogado aponta obrigações legais e responsabilidade por controle e fiscalização
Segundo o advogado Adalberto dos Santos, especialista em Direito Administrativo, ainda que a AADESAM tenha sido constituída com personalidade jurídica de direito privado, ela atua como uma agência pública e, por isso, está sujeita a regras rígidas de controle e transparência.
“Há um entendimento jurídico próprio sobre esse modelo de agência, mas a verdade é que os recursos que ela movimenta são públicos, mesmo que cheguem por meio de repasses de secretarias. Portanto, ela tem o dever legal de prestar contas de forma clara e contínua”, afirmou o advogado.
Adalberto destaca que a ausência de jurisprudência consolidada sobre a legalidade da estrutura da AADESAM não elimina a obrigação de fiscalização. Segundo ele, a responsabilidade pelo controle é tripla:
- Controle social — exercido pela imprensa e pela população, que têm o direito de cobrar informações sobre a destinação dos recursos públicos;
- Controle interno — a cargo das secretarias que repassam os valores à agência e devem verificar a aplicação dos recursos;
- Controle externo — realizado por órgãos como o Tribunal de Contas do Estado (TCE-AM) e o Ministério Público.
“Esses órgãos precisam ser provocados quando há suspeita de mau uso do dinheiro público, contratos com aditivos sem justificativa ou ausência de relatórios sobre a execução das ações. A transparência não é facultativa, é obrigatória. A agência tem o dever legal de apresentar relatórios de prestação de contas, e esses mecanismos de fiscalização precisam ser efetivos”, concluiu Adalberto.
Transparência comprometida
Um ponto alarmante é que as informações detalhadas sobre os repasses estão disponíveis apenas no portal da SEFAZ-AM. O site oficial da AADESAM, que deveria ser um canal direto de transparência e prestação de contas à sociedade, não apresenta dados completos ou atualizados sobre os contratos, projetos, valores ou impactos das ações financiadas.
Essa é a segunda matéria da série especial do Portal Alex Braga sobre os repasses da AADESAM e a falta de transparência na execução dos recursos públicos. A cada nova apuração, evidencia-se um padrão de movimentação milionária, justificada por um emaranhado de termos técnicos e jurídicos que dificultam o controle social e o acompanhamento pela população.
NOTA
O Núcleo de Reportagem Investigativa do Portal Alex Braga entrou em contato com a AADESAM e com o Governo do Amazonas para falar sobre os repasses e a falta de transparência, mas até a publicação desta matéria não obtivemos respostas.


LEIA MAIS: Pai, sobrinho e irmãos: Wilson Lima canaliza mais de R$ 367 milhões à família de Roberto Cidade