Quinta-feira, 10 Julho

No primeiro dia de janeiro deste ano, aproximadamente 2.500 pais e mães de família, trabalhadores do município de Borba, no Amazonas, se viram abruptamente exonerados de seus cargos públicos comissionados, com uma decisão que tem gerado profundas inquietações e desconfianças na população local. O decreto do prefeito Raimundo Santana (Republicanos), conhecido como Toco Santana, tornou-se o centro de um intenso debate sobre as práticas de gestão pública e os direitos dos servidores municipais.

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O Decreto nº 0020/2025, publicado no Diário Oficial do Município de Borba, especifica a exoneração de todos os servidores ocupantes de cargos comissionados e rescisão dos contratos de servidores temporários (exceto os profissionais lotados no Hospital Vó Mundoca), e a obrigatoriedade do retorno de servidores efetivos que estavam em cargos comissionados para suas funções originais. Em princípio, a medida parece ter uma justificativa administrativa, mas a falta de transparência e as denúncias sobre a execução da exoneração mostram que a situação vai além de uma simples reorganização administrativa.

Decreto de exoneração dos servidores

Entre os exonerados, há relatos de casos alarmantes, como o de pessoas com mais de seis anos de dedicação ao município e, mais grave ainda, de servidores que estão em tratamento contra doenças graves, como o câncer.

Exonerados temem represálias

*Os nomes utilizados são fictícios para preservar a fonte

*Pablo Castro, um dos exonerados por Toco Santana, é professor desde 2019 e relata a angústia de não poder receber os benefícios devidos, além de ser pressionado a assinar um documento onde ele mesmo pede sua exoneração. Essa prática, segundo ele, tem sido comum entre os exonerados: ao procurarem a prefeitura para resolver a pendência, são orientados a “formalizar” a demissão.

Além disso, Pablo denuncia uma clara retaliação política, afirmando que servidores que apoiam o prefeito estão sendo favorecidos nas contratações. “Ele está contratando algumas pessoas que apoiaram ele, e quem não é apoiador é tratado como inimigo”, desabafa.

Conversa com Pablo Castro

*Maria Rita, outra exonerada, que trabalhou por 8 anos como auxiliar de serviços gerais, está em tratamento contra o câncer em Manaus, e relata que, desde sua exoneração, não tem condições financeiras de continuar seu tratamento na capital. A falha administrativa é evidente, já que ela não conseguiu dar entrada no Bolsa Família devido ao seu nome ainda supostamente constar no sistema da prefeitura como servidora vinculada. Ela conta que, mesmo com toda a documentação entregue ao CRAS, foi informada de que não poderia acessar o auxílio por estar registrada na prefeitura.

“Em janeiro levei minhas documentações no CRAS pra dar entrada no Bolsa Família, porque preciso do dinheiro. Eu faço tratamento de câncer em Manaus. Mas fui informada pelo CRAS que não tenho como conseguir o auxílio porque ainda estou com alguma ligação na prefeitura. Mas eu não sei como puxar no sistema pra saber se ainda estou vinculada”, disse.

Extrato do último pagamento de Maria Rita

A situação de Maria Rita não é isolada. *Julia Gomes, que atuou como gari da prefeitura desde 2019, também vive a dificuldade de receber os direitos trabalhistas. Após não conseguir resolver a pendência de forma amigável, ela recorreu à Justiça, tendo de arcar com os custos de um advogado. A falta de alternativas para muitos exonerados e a insegurança em protestar contra as decisões políticas do prefeito resultam em um quadro de desespero e medo de represálias. “Muitos colegas estão sem dinheiro e não têm coragem de entrar na Justiça por medo. Eu fui obrigada a buscar a justiça porque preciso dos meus direitos”, contou Julia.

Conversa com Julia Gomes

O que Toco quer esconder?

O Portal de Transparência do município de Borba, instrumento fundamental para que a população acompanhe a aplicação dos recursos públicos, também tem se mostrado inacessível. Desde a publicação de uma matéria sobre os gastos do prefeito com contratação direta em mais de R$ 8 milhões sem licitação, feita pelo Portal Alex Braga, o portal da transparência apresenta uma mensagem de “em manutenção”, o que levanta ainda mais suspeitas sobre a real intenção da gestão de Toco Santana em manter o controle sobre as informações financeiras da prefeitura. O que estará sendo escondido da população? A falta de transparência agrava a desconfiança e deixa a população ainda mais desconectada da gestão pública.

Portal da transparência fora do ar

Nota da prefeitura

O Núcleo de Reportagem Investigativa do Portal Alex Braga enviou seis perguntas questionando a prefeitura de Borba sobre essas exonerações. Mas apenas duas foram respondidas, confira:

1. Porque o prefeito exonerou todos os servidores?

Resposta: Mudança de Diretrizes: Cada governo tem suas próprias políticas e prioridades. A exoneração permite que o novo governo reestruture sua equipe de acordo com sua visão e objetivos. E conforme diz o próprio decreto , nem todos os servidores foram exonerados. Aqueles que são atuantes de setores prioritários permaneceram no cargo.

2. Quais os critérios adotados para essa exoneração?

Resposta: São vários os critérios mas podemos citar alguns: Confiança , Alinhamento, Qualidade Funcional. Servidores comissionados são geralmente escolhidos por sua confiança e alinhamento político com o governo anterior. Com novo governo podemos optar por nomear pessoas que compartilhem de nossas crenças e metas. A exoneração é uma forma de renovar a administração pública, trazendo novas ideias e abordagens que podem ser mais eficazes para atender às necessidades da população.

Resposta da assessoria de comunicação da prefeitura de Borba

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