A BR-319, rodovia federal que liga Manaus a Porto Velho, segue sendo uma das obras mais prometidas e menos executadas da história do Amazonas. Ao longo de décadas, ela se transformou em ferramenta recorrente de discurso político, rendendo votos, vídeos e declarações de apoio, mas nenhum avanço concreto.
Entre os políticos que fazem da BR-319 seus palanques eleitorais, estão Delegado Péricles (PL), Amom Mandel (Cidadania), Professora Maria do Carmo (PL), Wilson Lima (UB), Alberto Neto (PL), Alfredo Nascimento (PL) e até o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Todos afirmam ser favoráveis ao asfaltamento, mas nenhum deles conseguiu, de fato, mudar a situação da estrada.

Criada na década de 1970 como símbolo de integração nacional, a rodovia começou a deteriorar poucos anos após ser inaugurada. Hoje, parte do trecho inicial e final é transitável, mas os quase 400 quilômetros do chamado “trecho do meio” seguem sem pavimentação, sofrendo com lama, atoleiros e abandono. O cenário é praticamente o mesmo com os 49 anos da rodovia.
LEIA MAIS: Wilson Lima critica Governo Lula por BR-319: ‘população de joelhos’
Promessas repetidas
Nas eleições municipais, estaduais e federais, a BR-319 aparece como pauta obrigatória entre políticos do Amazonas. Há décadas, candidatos gravam vídeos, fazem viagens até a estrada e publicam declarações defendendo a retomada da obra. Apesar disso, o histórico de realizações é mínimo, e, quando há movimentações, elas são pontuais.
O caso mais emblemático é o de Alfredo Nascimento, que foi duas vezes ministro dos Transportes, durante os governos de Lula e Dilma Rousseff. e uma das figuras que mais defendeu a BR-319 publicamente. Mesmo com poder direto sobre a obra, nunca conseguiu avançar a pavimentação. Ao final de sua gestão, a rodovia permanecia exatamente como estava: abandonada.

Outro exemplo é o deputado Amom Mandel, que percorreu a estrada, registrou atoleiros e capotamentos e lançou um documentário sobre o tema. A iniciativa jogou luz sobre a realidade da rodovia, mas não resultou em obras. Assim como seus antecessores, ele denuncia a situação, mas a rodovia continua na lama.
Na quarta-feira (10), o deputado Delegado Péricles usou a tribuna da Assembleia Legislativa para falar sobre a BR-319. Ele afirmou: “Descaso com o Amazonas! Hoje levei à tribuna o descaso que o Governo Federal tem com o Amazonas em relação à BR-319. No último domingo fui até Humaitá e vi de perto as péssimas condições da rodovia até o Distrito de Realidade.”
A declaração reforça a rotina de políticos que reaparecem em épocas eleitorais para apontar problemas antigos.
Durante o governo Bolsonaro, a BR-319 voltou ao centro do debate político. O então presidente e aliados, como o deputado Alberto Neto, afirmaram repetidas vezes que o asfaltamento seria prioridade. Na prática, nenhuma etapa decisiva do trecho crítico saiu do papel. A rodovia serviu mais como bandeira ideológica do que como projeto de infraestrutura. Recentemente ele Alberto Neto esteve na BR-319 para fazer uma fiscalização. Em seu instagram ele publicou: “A BR-319 é muito mais que uma estrada é sobrevivência, dignidade e respeito ao povo do Amazonas!”
A Professora Maria do Carmo, que declarou recentemente sua pré-candidatura ao Governo do Amazonas, criticou a conduta de muitos políticos segundo ela, “a velha política só aparece nessa estrada, se é que a gente ainda pode chamar de estrada, em época de eleição. Vem, faz vídeo, posa na lama e tenta lacrar nas redes sociais, como se isso resolvesse alguma coisa.” Porém, a velha política que ela se refere é quem “banca” sua pré-candidatura, no caso, Alfredo Nascimento, o presidente do PL no Amazonas e ex-ministro de Dilma e Lula, que jamais asfaltou a estada.
No âmbito estadual, Wilson Lima e parlamentares locais também dizem ser favoráveis ao asfaltamento, mas a responsabilidade da obra é federal, o que cria um terreno fértil para discursos que não exigem execução real.
Autodeclarado bolsonarista, Wilson não cobrou de Bolsonaro a promessa de asfaltar a estrada, e segue para o fim do mandato sem nenhum resultado prático quando à recuperação da BR-319.
Obras recentes, mas bem aquém do necessário
De fato, houve movimentações nos últimos meses:
- Em 2025, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) iniciou a pavimentação de 20 quilômetros do “Lote C” da BR‑319, entre os km 198 e 218 — investimento anunciado de R$ 163 milhões.

- Ainda assim, grande parte da rodovia, especialmente o trecho central/autonomias mais críticas, permanece sem pavimentação completa. A obra de 20 km representa apenas uma fração mínima dos quase 400 km sem asfalto.
- A travessia sobre os rios no início da rodovia teve problemas recentes: em 2025, após o colapso de antigas pontes, o tráfego foi restabelecido apenas para veículos leves e com controle, o que evidencia a fragilidade estrutural e a dependência de obras emergenciais.

Ou seja: mesmo com ações pontuais, a BR‑319 continua longe do ideal de uma rodovia asfaltada, segura e confiável.
Por que o asfaltamento completo ainda não sai do papel
Especialistas, ambientalistas e autoridades apontam diversos fatores que mantêm a BR‑319 em um limbo, mesmo com obras pontuais em andamento:
Helson Ribeiro, cientista político, explica: “A estrada, o medo das autoridades ambientais, eu boto de todas as vertentes, é que criem espinhas de peixe e acelerem ainda mais o processo de desmatamento que ocorre na região. Tivemos um ministro do transporte durante mais de 8 anos, Alfredo Nascimento, que não conseguiu pavimentar. Alguns tentam colocar a culpa na ministra Marina Silva, mas não é ela a maior culpada. Há condições de fazer uma estrada sustentável, uma ecoestrada, mas enquanto isso não sai do papel, parte da população clama por essa estrada, até para passear. Políticos tentam tirar dividendos disso, alguns combatendo outros e colocando a culpa no adversário, e espero que a população saiba distinguir o joio do trigo. É uma série de fatores que, pelo menos no momento, inviabiliza a pavimentação da estrada.”
A ambientalista Fabiana Rocha complementa: “Quando sinalizamos porque o asfaltamento da BR-319 ainda não saiu do papel, precisamos reconhecer que não é apenas falta de política pública ou conflitos ambientais e econômicos. O problema é estrutural, com inconsistência técnica e ausência de estudos atualizados. Toda grande obra na Amazônia exige estudos de impactos ambientais detalhados, modelagens hidrológicas e avaliações de risco social. Esses estudos foram produzidos ao longo de décadas, mas estão defasados diante das mudanças climáticas, regimes de cheia e seca, e expansão das áreas ao longo do traçado da BR-319. É necessário atualizar esses estudos. Além disso, falta segurança jurídica e governança territorial adequada. O asfaltamento envolve unidades de conservação, terras indígenas, áreas militares e de uso comunitário, cada uma com protocolos de consulta e compensação ambiental que devem ser avaliados. Sem resolver a governança territorial, qualquer avanço corre risco de judicialização, e há riscos ambientais significativos, incluindo ocupação irregular, grilagem, desmatamento e pressão sobre os povos locais. Isso exige planejamento, fiscalização e controle contínuo para que qualquer obra seja realmente sustentável.”
LEIA MAIS: “Emendas Pix” turbinam cofre da gestão Wilson Lima e ultrapassam R$ 20 milhões

