A gestão da prefeita Araci Cunha Rodrigues (MDB) está no centro de uma série de denúncias e cobranças por parte de candidatos aprovados nos concursos públicos realizados em 2023 pela Prefeitura de Nova Olinda do Norte. Mesmo com os certames homologados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-AM) e com previsão orçamentária assegurada na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025, a administração municipal segue sem convocar os aprovados, optando por contratações temporárias para os cargos que deveriam ser ocupados por concursados.
A situação se agravou a ponto de levar o Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM) a instaurar o Inquérito Civil nº 040.2025.000088, que resultou no ajuizamento de uma Ação Civil Pública contra o município. O objetivo é forçar a administração a nomear os aprovados e rescindir os contratos temporários firmados de forma irregular, além de proibir novas contratações para os cargos já ofertados nos editais nº 002/2023 e nº 003/2023.
Contratações ilegais e justificativas frágeis
Os editais ofereciam 476 vagas em áreas como saúde, educação, trânsito e administração. Segundo o MPAM, não há mais nenhum impedimento legal ou administrativo que justifique a demora nas convocações. O próprio TCE-AM já considerou os concursos regulares. Mesmo assim, a prefeita e sua equipe alegam questões como suposta “necessidade de planejamento gradual”, “risco de redução nos repasses do FPM” e “erro no Censo 2022”, justificativas que, segundo a promotora Tainá dos Santos Madela, não se sustentam juridicamente.
A promotora ressalta que a contratação temporária não pode ocorrer para cargos efetivos com aprovados aguardando nomeação. “A administração perde a discricionariedade nesse caso. Há jurisprudência consolidada: se há aprovado, há obrigação de nomear. As contratações temporárias são ilegais”, frisou a promotora.
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FUNDEB e orçamento garantem recursos
Apesar de alegações sobre dificuldades financeiras, os dados da própria prefeitura desmentem a narrativa oficial. Segundo a Lei Orçamentária Anual de 2025, Nova Olinda do Norte dispõe de um orçamento de R$ 74.359.637,00, com 74,5% já em caixa. Somente os repasses do FUNDEB já ultrapassaram R$ 55 milhões até setembro, dos quais 70% devem obrigatoriamente ser destinados a pagamento de pessoal da educação.
Ainda assim, não houve convocação para cargos da educação. Em vez disso, há relatos de que cargos comissionados e temporários vêm sendo ocupados por indicações políticas, enquanto os aprovados aguardam uma chance legalmente conquistada.
Aprovados vivem à espera
O atraso nas nomeações tem prejudicado profundamente a vida dos aprovados. Jonas Lima, aprovado em três cargos, conta que está desempregado e vivendo de bicos como motoboy. “Fiz minha parte, estudei, passei. Mas a prefeitura só contratou comissionados. Nas reuniões na Câmara, disseram que não havia orçamento, mas os dados provam o contrário. É desrespeito total”, afirmou.
Outro aprovado, que pediu anonimato, disse ter passado para o cargo de motorista. Atualmente trabalha em Borba, mas espera ser chamado para trabalhar na cidade natal. “Estamos vivendo com expectativa e frustração. É difícil acreditar que fizeram tudo isso só para enganar a população em ano eleitoral”, disse.
Irregularidades se acumulam: prefeita é multada pelo TCE-AM
As denúncias sobre má gestão e irregularidades na Prefeitura de Nova Olinda do Norte não se limitam ao descumprimento dos concursos. Em setembro deste ano, o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) aplicou uma multa de R$ 14 mil à prefeita Araci Cunha Rodrigues por falhas no Pregão Presencial nº 01/2025, realizado para contratação de serviços de internet.
De acordo com o relator do processo, conselheiro Érico Desterro, a administração municipal descumpriu a Lei de Licitações ao não justificar formalmente o uso do pregão presencial, modalidade que deve ser exceção, e por não registrar a sessão em vídeo, medida obrigatória para garantir transparência.
O TCE-AM também identificou falhas na divulgação do processo licitatório no portal de transparência da prefeitura, o que restringiu a competitividade da licitação. A prefeita tem prazo de 30 dias para pagar a multa ou recorrer da decisão.
O outro lado
A reportagem procurou a Prefeitura de Nova Olinda do Norte para esclarecer as denúncias e obter uma posição oficial sobre a convocação dos aprovados. Veja o que foi respondido na íntegra :
A Prefeitura de Nova Olinda do Norte informa que o processo de convocação dos candidatos aprovados nos concursos públicos de 2023 já foi iniciado. Em 22 de agosto de 2025, foi publicada a primeira chamada referente aos cargos vagos, e, nos próximos dias, será realizada a nomeação dos candidatos, após a devida análise documental e observância dos prazos previstos no edital.
1. Sobre as convocações dos concursos
Em relação ao Edital nº 002/2023, os aprovados foram divididos em quatro chamadas.
A primeira já foi concluída, e as próximas estão programadas para novembro de 2025, janeiro de 2026 e abril de 2026, quando todos os aprovados terão sido convocados.
O cronograma foi amplamente divulgado pela gestão municipal, inclusive em transmissão ao vivo realizada pela prefeita Araci Cunha e pelo vice-prefeito Cristian Renner, reforçando o compromisso com a transparência e o cumprimento do edital.
Quanto ao Edital nº 003/2023, que contempla os profissionais da área da educação, a Prefeitura decidiu realizar a convocação em janeiro de 2026, visando preparar os aprovados para o ano letivo de 2026.
A decisão levou em consideração que, ao início da atual gestão, os concursos ainda estavam sob análise do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM), o que inviabilizava a imediata homologação e nomeação.
Dessa forma, a convocação dos aprovados ocorrerá no início do próximo ano letivo, garantindo planejamento pedagógico, continuidade dos trabalhos escolares e segurança jurídica ao processo.
2. Sobre a Ação Civil Pública
Até o momento, a Prefeitura ainda não foi formalmente citada na Ação Civil Pública mencionada. A gestão recebeu a informação apenas por meio de portais de notícia, o que causou estranheza, visto que mantém diálogo aberto e constante com o Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM).
A prefeita Araci Cunha já realizou diversas reuniões com a promotora de Justiça responsável, nas quais o tema do concurso público foi tratado de forma conjunta e transparente. Inclusive, a última manifestação formal encaminhada ao MP ocorreu pouco antes da primeira chamada, informando todo o planejamento adotado para as convocações graduais.
3. Sobre contratações temporárias
A Administração esclarece que não realiza contratações irregulares.
Os contratos temporários atualmente vigentes referem-se a servidores que já atuam há vários anos, e uma demissão em massa poderia gerar instabilidade administrativa e impacto econômico local, considerando que boa parte da economia do município gira em torno do funcionalismo público.
O planejamento de substituição gradual desses servidores pelos candidatos aprovados já havia sido tratado e acordado com o próprio Ministério Público antes mesmo da realização do concurso, visando evitar colapso administrativo e assegurar a continuidade dos serviços públicos essenciais.
As vagas que estavam abertas já foram preenchidas pela primeira chamada, e as demais serão providas de forma gradual e responsável, com o distrato progressivo dos contratos temporários à medida que os concursados forem sendo nomeados.
A Prefeitura de Nova Olinda do Norte reafirma seu compromisso com a transparência, a legalidade e a responsabilidade fiscal, assegurando que todas as medidas estão sendo conduzidas em conformidade com a legislação vigente e com o diálogo institucional permanente com os órgãos de controle.
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