A cultura tradicional do município de Boca do Acre está no centro de uma grave denúncia que envolve perseguição política, agressão física, exclusão institucional e manipulação de editais públicos. O denunciante é Elizeu Kamura, 41 anos, coordenador, coreógrafo e produtor cultural da Ciranda Furacão, um dos grupos culturais mais antigos da cidade. Ele acusa diretamente a gestão do prefeito Frank Barros (MDB) de promover um boicote político contra sua atuação e afirma estar sendo alvo de retaliações desde o período eleitoral de 2024.
“Estão tentando me tirar da cultura por perseguição política. Não aceitam o fato de eu ter feito oposição durante a campanha e desde então começaram a me excluir de tudo”, afirma Elizeu, em entrevista ao Portal Alex Braga.
Perseguição após oposição política

Kamura relata que a perseguição teve início após ele se posicionar contra a candidatura de Frank Barros nas redes sociais durante as eleições municipais. “Fiz campanha contra eles, denunciei o passado político e a forma como governaram outros municípios. Depois que venceram, passaram a me atacar de forma direta e sistemática”, diz.
Mesmo tendo seu projeto cultural aprovado por unanimidade e com reconhecimento público pelo trabalho à frente da Ciranda Furacão, Elizeu afirma que foi excluído de reuniões com a Secretaria de Cultura, perdeu apoio financeiro e passou a ser tratado como inimigo. Em 2024, o grupo recebeu apenas R$ 32 mil via edital federal e mais R$ 10 mil da prefeitura, valor que, segundo ele, é insuficiente para colocar uma apresentação mínima na rua. No ano anterior, foram R$ 80 mil.
“Com R$ 42 mil não conseguimos fazer nem metade do que fizemos no ano passado. Só um boi usado no ritual indígena custa R$ 8 mil. Para o ritual todo, nos deram apenas R$ 5 mil. É impossível fazer cultura com tão pouco e ainda sendo boicotado”, denuncia.
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Áudio expõe boicote pessoal
Um áudio enviado ao Portal Alex Braga, por Elizeu Kamura, revela uma conversa entre um dos coordenadores da ciranda e o secretário de Cultura de Boca do Acre, Ritsu Calacina, que levanta dúvidas sobre a participação de Elizeu nas apresentações culturais da cidade:
“Com tudo o que aconteceu, aquele rapaz ainda vai participar?”, pergunta o secretário, em referência a Elizeu.
“Sim, vai. Ele é o coreógrafo e coordenador da ciranda”, responde o interlocutor.
“Acho difícil… depois de tudo o que ele fez comigo, do que ele falou, ele vai participar?”, insiste o secretário.
Para Elizeu, o áudio confirma a tentativa deliberada de excluí-lo do circuito cultural. “Querem que a ciranda se apresente, mas sem mim. Isso é perseguição escancarada. Eu sou o responsável pelo projeto, o criador das coreografias, dos figurinos, sou quem ensina os brincantes. Como vão me tirar do meu próprio trabalho?”
Agressão

A denúncia mais grave feita por Elizeu Kamura diz respeito a uma agressão violenta sofrida durante o Festival de Praia, no último final de semana. Segundo ele, foi brutalmente espancado por dois funcionários da Secretaria de Cultura, sem motivo aparente, na presença de policiais contratados pela prefeitura que, segundo ele, nada fizeram para intervir.
“Fui com minha família e, ao sair da praia, fui atacado. Levei socos no rosto, chute no corpo, sangrei muito. Em vez de prender os agressores, a polícia me algemou e ainda desapareceu com meus pertences”, denuncia. Entre os itens desaparecidos estariam um celular, óculos, dinheiro e objetos pessoais.
Elizeu afirma ainda que não houve nenhum boletim de ocorrência registrado pela prefeitura ou Secretaria de Cultura sobre o episódio. “A omissão é absurda. Se isso aconteceu comigo, com testemunhas, imagine o que podem fazer quando ninguém estiver olhando. Tenho medo de sair de casa”.

Editais fraudulentos e grupos fantasmas
Além da exclusão e violência, Elizeu aponta indícios de fraude nos editais da Lei Aldir Blanc. Ele afirma que grupos culturais que nunca existiram foram contemplados com altos valores e notas maiores que cirandas tradicionais do município.
“Quadrilhas que nunca ensaiaram e nem se apresentaram ganharam o edital. Enquanto isso, a Ciranda Bela Flor, que tem cinco anos, foi mal pontuada. A nossa, mesmo existindo, quase ficou de fora. É um absurdo. A cultura está sendo usada como barganha política”, diz.
Ele também revela que grupos aliados à gestão receberam repasses até após o período junino, enquanto a Ciranda Furacão, que ensaia desde o início do ano, foi chamada para se apresentar só em outubro, nas festividades do aniversário da cidade.
Projeto federal e ameaça de não cumprimento
A tentativa da prefeitura de vetar a participação de Elizeu Kamura nas apresentações coloca em risco o cumprimento do projeto financiado com verba federal. Segundo ele, o grupo é obrigado a prestar contas, e se a prefeitura impedir a apresentação, será necessário realizar o evento por conta própria, com recursos escassos.
“Nosso trabalho é limpo, foi aprovado, temos que entregar a apresentação. Se a prefeitura quiser nos silenciar, vamos fazer com nossos meios. Mas não aceitaremos ser excluídos por questões políticas”, afirma.
NOTA
O Núcleo de Reportagem do Portal Alex Braga entrou em contato com a prefeitura de Boca do Acre para falar sobre a denúncia, mas até o momento não obtivemos respostas. O espaço segue aberto para esclarecimentos.

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