Segunda-feira, 13 Outubro

Enquanto as ruas de Coari estão abandonadas pela Limpeza Pública, o prefeito Adail Pinheiro (Republicanos) homologou, em fevereiro, um contrato de R$ 9,3 milhões para essa finalidade com uma empresa cujo dono foi preso este ano transportando R$ 1,2 milhão em uma mala. O acordo aparece no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) como “compra homologada”, mas o documento completo da contratação não está disponível para download.

Compra autorizada pelo prefeito Adail Pinheiro, restando apenas a assinatura do contrato.

A empresa vencedora do certame foi a Comercial CJ Comércio de Produtos Alimentícios Ltda, inscrita sob o CNPJ nº 31.158.755/0001-42, de propriedade do empresário Cesar de Jesus Gloria Albuquerque, que iria prestar serviço de locação de máquinas e equipamentos destinados à limpeza pública do município. Em maio deste ano, ele foi preso pela Polícia Federal (PF) no Aeroporto Internacional de Brasília com R$ 1,2 milhão em espécie dentro de uma mala. 

Mala com dinheiro que Cesar estava transportando. Foto: Divulgação/ PF

Um mês antes de Cesar ser preso, em abril, Adail autorizou outro contrato com a mesma empresa – desta vez, para a eventual compra de uniformes profissionais e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), também destinados à Secretaria Municipal de Obras e Limpeza Pública. Um serviço totalmente diferente do contrato anterior, ainda mais considerando que a empresa se apresenta como fornecedora de produtos alimentícios. 

Ata de registro de preço de outro certame em que a mesma empresa saiu vencedora.

Dados da Receita Federal mostram que a empresa de Cesar é uma verdadeira “faz-tudo”. De produtos alimentícios a serviços funerários, passando por confecção de roupas e até agência de viagens, a empresa, fundada em 2018, lista mais de 80 atividades econômicas secundárias, ou seja, diferentes tipos de serviços prestados. 

Dados da Receita Federal mostram que a empresa realiza diversas atividades.

Apesar dos acordos milionários entre a Prefeitura de Coari e a empresa “mil e uma utilidades”, a realidade denunciada pelos moradores é outra. Vídeos compartilhados nas redes sociais mostram pilhas de lixo e entulho espalhados pela cidade. Vale ressaltar que, reportagem cita apenas os contratos ligados à Secretaria Municipal de Obras e Limpeza Pública, que tem sido alvo constante de críticas da população. 

Outra denúncia repassada à reportagem foi a falta de pagamento dos garis, servidores responsáveis pela limpeza do município. Em áudios compartilhados no WhatsApp, os funcionários afirmam que, mesmo recebendo um salário mínimo, estavam com os pagamentos atrasados. Há relatos de trabalhadores que atuam em mais de um turno na coleta de lixo e também estavam sem receber. 

“Passe para nós informações, tira nós dessa angústia. Estamos trabalhando normal, esperando. Eles deviam olhar por nós, dar uma força, porque um salário mínimo, quando atrasa, o cara já ganha pouco, e ainda atrasar assim é o mesmo que dar uma rasteira no cara”, relatou um gari em áudio. 

Pela ausência do documento de contratação, não é possível afirmar se o acordo de R$ 9,3 milhões realmente foi assinado, ainda mais diante do agravante da prisão do empresário dono da empresa vencedora do certame. O que se sabe é que a empresa já é uma velha conhecida da Prefeitura de Coari, pois somente na Secretaria de Limpeza Pública ela já possuía dois contratos em andamento neste ano. 

Ata de registro de preço do acordo que ficou em R$ 9,3 milhões.

Outra problemática é a falta de transparência da Prefeitura de Coari, que não mantém suas licitações atualizadas, o que fere o princípio da transparência pública previsto na Lei de Acesso à Informação. A reportagem teve acesso aos processos citados apenas por meio do PNCP. 

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Coari para pedir esclarecimentos sobre a homologação do contrato e aguarda resposta. Também tentou contato com a empresa Comercial CJ Comércio de Produtos Alimentícios Ltda, mas não conseguiu localizar o responsável. No cadastro da Receita Federal, a empresa não informa e-mail para contato e apresenta apenas um número de telefone, sem WhatsApp e que não funcionou para ligação. O endereço registrado também chama atenção: a empresa supostamente fica localizada em uma estrada na rodovia BR-174, no km 179, comunidade Nova Jerusalém, em Presidente Figueiredo.