Quinta-feira, 11 Setembro

A Prefeitura de Coari, sob o comando do prefeito Adail Pinheiro (Republicanos), deve gastar mais de R$ 116 milhões em contratos com 12 empresas, em um processo licitatório que levanta suspeitas e ignora recomendação do Ministério Público do Amazonas (MPAM). Chama a atenção o fato de uma empresa, sozinha, ganhar R$ 23 milhões, enquanto outras duas também ultrapassam esse mesmo patamar, segundo revela com exclusividade o Portal Alex Braga

Outro mistério no “super pregão” é o fato de que o processo foi conduzido por pregão presencial, desconsiderando uma recomendação do MPAM que orientava a gestão municipal a priorizar a modalidade eletrônica, justamente para garantir mais transparência e competitividade. A recomendação foi emitida em abril deste ano, após apurações sobre irregularidades em certames anteriores promovidos pela prefeitura. 

CONTRA O MP

Segundo o promotor de Justiça Bruno Escórcio Cerqueira Barros, responsável pela recomendação, a Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) estabelece que o pregão eletrônico deve ser a regra, sendo o modelo presencial admitido apenas em casos excepcionais, com justificativa formal e registro em áudio e vídeo da sessão pública. 

“Estamos recomendando que o município de Coari adote, de preferência, o pregão eletrônico a partir de agora. O Ministério Público vai fiscalizar isso, pois é uma questão que está sendo bastante demandada… A forma presencial deve ser uma alternativa excepcional e justificada, sob pena de inviabilizar a competitividade e até caracterizar ato de improbidade administrativa”, afirmou o promotor. 

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Apesar disso, a gestão de Adail Pinheiro manteve a prática recorrente de realizar pregões presenciais sem qualquer justificativa plausível, comprometendo a lisura do processo e levantando suspeitas sobre favorecimento a grupos empresariais específicos. O processo já está em fase final. No dia 21 de julho, foi publicado no Diário Oficial dos Municípios do Amazonas o despacho de adjudicação e homologação, faltando apenas a assinatura dos contratos.

Conforme o documento, as empresas favorecidas deverão fornecer “materiais de construção, ferramentas, equipamentos, tintas e complementos destinados à execução de obras, serviços de manutenção, reparos, reformas e ampliações em prédios, praças e logradouros públicos, visando atender às demandas da Secretaria Municipal de Obras e Limpeza Pública do município”.

PRISÃO

Em 2018, Adail foi preso após ser condenado a mais de 57 anos de prisão por liderar um esquema milionário de desvios e fraudes em Coari. Ele também já foi condenado por exploração sexual de crianças e adolescentes no município, onde até então havia sido eleito prefeito três vezes. Mesmo após todos esses escândalos, Adail assumiu a prefeitura de Coari pela quarta vez em 2024.

Adail Pinheiro deixando o Centro de Detenção Provisória Masculino (CDPM) 2, após ter liberdade concedida pelo TRF 1ª Região, em 2018.

Para especialistas em licitação ouvidos pela reportagem, embora o favorecimento de 12 empresas do mesmo segmento em um único certame seja uma prática comum nesse tipo de processo, o valor total é considerado alto para um município do interior do Amazonas. Ainda segundo os especialistas, nesse tipo de processo de aquisição por “item” é normal que várias empresas forneçam os materiais.

Segundo uma fonte ouvida pela reportagem do Portal Alex Braga, que pediu sigilo, o vice-prefeito de Coari, Emanoel Pinheiro, filho do prefeito, é o atual responsável por captar essas empresas e direcionar os pregões. A fonte relatou que, para tornar uma empresa vencedora nos certames, eles fazem a captação de valores, que hoje funciona da seguinte forma: 80% ficam para a família Pinheiro e 20% para as empresas. 

“Ele está fazendo o mesmo trabalho que levou à prisão, no primeiro mandato do Adail, o irmão dele, Eduardo Pinheiro, que foi para a lista vermelha da Interpol”, disse a fonte, ao relembrar outros episódios em que a família Pinheiro foi acusada de envolvimento em esquemas de corrupção e outros crimes como pedofilia.

Empresas beneficiadas e contratos milionários

Entre as empresas vencedoras, destaca-se a J B PINTO – ME (CNPJ nº 23.031.040/0001-04), que será contemplada com R$ 23.244.502,00. Outras duas empresas também irão receber valores semelhantes: 

LEANDRO DE S. SILVEIRA LTDA (CNPJ nº 08.858.841/0001-46), com R$ 23.007.063,00, 

S DA SILVA SAHDO LTDA (CNPJ nº 08.620.504/0001-16), com R$ 23.251.762,50. 

A empresa JULYO COMERCIAL LTDA (CNPJ nº 02.692.154/0001-17) também aparece com montante acima de R$ 10 milhões. As demais receberão valores entre R$ 1,7 milhão e R$ 9,3 milhões, somando um total de R$ 116.646.932,70. 

Confira a lista completa: 

AM F DO COUTO LTDA, CNPJ 14.599.296/0001-13, valor R$ 4.331.068,70; 

D J DASILVAMACIEL LTDA, CNPJ 43.837.882/0001-57, valor R$ 4.626.398,50; 

ELETROMUND COMÉRCIO DE MATERIAL ELÉTRICO LTDA, CNPJ 42.378.761/0001-21, valor R$ 7.287.553,50; 

F R T CORDOVIL COMÉRCIO DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA, CNPJ 02.445.798/0001-00, valor R$ 2.008.840,90; 

J B PINTO – ME, CNPJ 23.031.040/0001-04, valor R$ 23.244.502,00; 

J S E COMÉRCIO DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO E SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO LTDA, CNPJ 20.138.274/0001-59, valor R$ 9.382.504,80; 

JULYO COMERCIAL LTDA, CNPJ 02.692.154/0001-17, valor R$ 10.661.074,00; 

LEANDRO DE S. SILVEIRA LTDA, CNPJ 08.858.841/0001-46, valor R$ 23.007.063,00; 

RAB – COMÉRCIO VAREJISTA DE MATERIAL ELÉTRICO LTDA, CNPJ 35.062.192/0001-45, valor R$ 1.747.986,60. 

RIO NEGRO COMÉRCIO DE EPIS E MATERIAL DE CONSTRUÇÃO LTDA, CNPJ 05.582.776/0001-80, valor R$ 7.098.178,20; 

S DA SILVA SAHDO LTDA, CNPJ 08.620.504/0001-16, valor R$ 23.251.762,50; 

S. DE OLIVEIRA FERREIRA LTDA, CNPJ 38.043.205/0001-27, valor R$ 2.259.568,50; 

Improbidade administrativa?

O montante milionário, a escolha pela modalidade presencial sem justificativa e a concentração de valores em poucas empresas reforçam a suspeita de direcionamento no processo e configuram, segundo o próprio MPAM, risco real de improbidade administrativa. 

A reportagem solicitou posicionamento à Prefeitura de Coari sobre a escolha do modelo presencial, os altos valores a serem contratados e a denúncia sobre esquema de corrupção, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

A reportagem também entrou em contato com todas as empresas favorecidas e pediu um posicionamento a respeito das acusações sobre o esquema denunciado pela fonte ouvida pelo portal.  

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