Segunda-feira, 8 Julho

A empresa de saúde especializada, Medtrauma, está sendo denunciada por escândalos envolvendo suposta fraude de contrato, desvio e superfaturamento em procedimentos e materiais cirúrgicos fornecidos à Secretaria da Saúde do Estado de Roraima (SESAU), administrada por Cecília Smith Lorenzon Basso. O detalhe mais importante da denúncia é que o suposto superfaturamento está sendo pago com verba federal, o que havia sido negado anteriormente em medida cautelar emitida pelo Tribunal de Contas de União (TCU).

Além do TCU, o caso de desvio encontra-se sob segredo de justiça em denúncia que corre na Polícia Federal, apresentada pela Controladoria-Geral da União no Estado de Roraima (CGU-RR) em janeiro deste ano.

O início do desvio

Em agosto de 2022, a Secretaria de Saúde do Estado do Acre (SESACRE) contratou a Medtrauma Serviços Médicos Especializados Ltda para objeto de “contratação de empresa especializada na prestação de assistência complementar à saúde na área de Traumatologia/Ortopedia, para atender as demandas de atendimento de Urgência e Emergência em traumatologia/ortopedia, adulto e pediátrico, em estabelecimentos de saúde da Secretaria de Estado e Saúde do Acre – SESACRE”, pelo montante de R$ 30.205.995,96 (trinta milhões duzentos e cinco mil novecentos e noventa e cinco reais e noventa e seis centavos).

Publicação do Diário Oficial do Estado do Acre

No Acre, o contrato foi firmado através de processo licitatório, mas gerou questionamentos por parte do Ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Jhonatan de Jesus, que afirmou em medida cautelar que: “Tal situação é agravada por indícios de irregularidades nas inabilitações de licitantes com propostas de preços inferiores aos da proposta vencedora, o que configura possível dano ao erário, bem como descumprimento aos princípios da legalidade, da isonomia e da seleção da proposta mais vantajosa. ”

O contrato em questão gerou uma ata de preços, publicada no dia 3 de agosto de 2022 pelo governo do Acre, que foi aderida por uma prefeitura e outros dois estados brasileiros, dentre eles o estado de Roraima, que aderiu à ata exatamente dois dias depois da publicação, no dia 5 de agosto de 2022, respectivamente, porém com pequenas alterações que supostamente caracterizam fraude licitatória.

A contratação

Em novembro de 2022, a Secretaria da Saúde do Estado de Roraima (SESAU) aderiu à ata de preços do contrato firmado entre a Medtrauma e a Secretaria de Saúde do Acre, mas com pequenas alterações no objeto do convênio, que ficou da seguinte forma:

“Empresa especializada na prestação de assistência complementar à saúde na área de traumatologia/ortopedia, para atender as demandas de cirurgias eletivas e de urgência e emergência em traumatologia/ortopedia. ”

Assim como no contrato firmado no Acre, o de Roraima também previa vigência de 12 meses sob o montante de R$30.205.995,96 (trinta milhões e duzentos e cinco mil e novecentos e noventa e cinco reais e noventa e seis centavos).

Publicação do Diário Oficial do Estado de Roraima

Essas pequenas mudanças no texto do objeto fizeram uma grande diferença na hora de viabilizar o desvio, afinal, visto que uma adesão à ata deve seguir plenamente o curso do modelo de contratação, incluindo imutabilidade de objeto, preço e outros itens, o que claramente não foi cumprido pela Sesau e pela secretária Cecília Lorenzon.

Início das suspeitas de fraude

Essas manobras acenderam o alerta dos órgãos de fiscalização contra o desvio, especialmente do TCU, que emitiu cautelar determinando que a Sesau cessasse o pagamento à Medtrauma com verba federal, visto as irregularidades identificadas, especialmente a suspeita de superfaturamento.

No documento, o relator do processo, o ministro Jhonatan de Jesus, filho do Senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), afirmou que existem fortes indícios de superfaturamento no contrato, resultando no desvio de verba.

A medida cautelar do TCU foi emitida em 28 de abril de 2023, cinco meses depois da contratação da Medtrauma pela Sesau. Contudo, mesmo após a determinação, a secretária Cecília Smith Lorenzon continuou os pagamentos referentes ao contrato utilizando verba federal, conforme mostra o documento abaixo.

Superfaturamento

Além da utilização de recursos federais para quitação de despesas do contrato, foi identificado que as Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPMEs) foram e estão sendo possivelmente adquiridas sob fundada afirmação de superfaturamento, conforme exemplo abaixo.

Os produtos disponibilizados pela Medtrauma resultaram em um sobrepreço astronômico de 2.324% acima da média de mercado.

Em um conflito de informações feito pela CGU utilizando como base os valores da Tabela SUS, que é o modelo de preços a ser praticado, foi constatado, somente no período de dezembro de 2022 a julho de 2023, um superfaturamento de 259% nos preços da Medtrauma em relação ao teto da Tabela SUS, pago com recursos da União.

Um dos argumentos utilizados pela SESAU e pela própria empresa Medtrauma para justificar o sobrepreço e superfaturamento é a logística para o Estado de Roraima, o que supostamente elevaria o custo. Eles alegam, também, que seria impossível vender materiais cirúrgicos com preços fixados pela Tabela SUS.

Ocorre que as alegações não se sustentam. Isso porque foi feito um comparativo nos preços praticados em Roraima e outros três estados também da região Norte do Brasil. A título de exemplo, foram selecionados os Estados do Amapá, Rondônia e Amazonas, sendo o Amapá considerado o Estado de pior logística do país, sendo a mesma exclusivamente fluvial ou aérea.

No conflito de preços por região, os dados ficaram da seguinte forma:

As informações dão conta de um sobrepreço sete vezes maior na OPME ‘haste intramedular de tíbia’, custando R$ 1.087,53 na média regional, sendo R$ 7.612,71 o valor pago à Medtrauma. O caso se repete na OPME ‘’haste femoral longa com bloqueio cefálico (inclui parafusos)’’, quando a média de preços no valor de R$ 1028,86 é cinco vezes menor que o de R$ 5.387,90 destinado à Medtrauma.

Todas as denúncias apresentadas com exclusividade pelo núcleo de investigação do portal Alex Braga configuram um possível ciclo vicioso criminoso atuante e presente na saúde do Estado de Roraima.

Além dos vários documentos disponibilizados nesta reportagem estão as constantes veiculações de denúncias e desdobramentos de investigações, penalizações e sanções aplicadas contra a Medtrauma.

Desdobramentos

No último dia 30 de abril, o prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB), divulgou um vídeo em suas redes sociais onde afirma ter recebido o relatório preliminar de auditoria da Controladoria-Geral do Município, que apurou o contrato entre a prefeitura de Cuiabá e a empresa Medtrauma.

Veja o vídeo:

No vídeo, o chefe do executivo municipal afirma que foram detectadas informações que apontam um superfaturamento de mais de 3.000% em alguns itens de materiais cirúrgicos, além da falta de transparência no processo licitatório e falta de comprovação dos serviços prestados pela Medtrauma.

O prefeito afirmou ainda, que o relatório será enviado à Delegacia Especializada em Combate à Corrupção (DECCOR), ao Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPMT), à Câmara Municipal de Cuiabá (CMC), à Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso (ALEMT), ao Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT), ao Ministério Público Federal (MPF), à Polícia Federal (PF), ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à Controladoria-Geral da União (CGU)

A empresa já teve a suspensão dos contratos com o Estado de Mato Grosso determinada pela justiça local, além de estar sendo investigada pela Polícia Federal por vários outros crimes e irregularidades que serão revelados em uma série do portal Alex Braga.

Jornalista político-investigativo com meia década de carreira.

Exit mobile version